quarta-feira, março 02, 2005

É melhor parar antes de cair


Carlos Santana e Banderas no Oscar 2005

Na apresentação com o ator Antônio Banderas, durante o Oscar 2005, no domingo, interpretando a música "Al otro lado del río", de Jorge Drexler, Carlos Santana assinou o atestado de um músico que perdeu seu rumo.

Lá se foi aquele guitarrista de frases musicais geniais e de melodias que, de tão marcantes, achávamos que não era deste mundo. Lá se foi aquele músico que colocava a sua música à frente da combinação, nem sempre saudável, de fama + dinheiro fácil + grande público.

O Santana do dueto com Banderas não lembra mais o iluminado Santana de "Blues for Salvador", de 1987. Lembro quando ouvi pela primeira vez, tinha 14 anos.

Lembro que foi uma cacetada no ouvido. Sabe alqueles discos que você fica voltando a mesma faixa várias vezes até entender a idéia do cara? Ou ainda aquela música tão boa que não sai de sua cabeça? É mais ou menos isso.

O destaque do álbum fica por conta da faixa homônima, gravada em um único take. Puro improviso, puro feeling, uma verdadeira aula de wah-wah para iniciantes e veteranos. Toda instrumental. Apenas melodia, escalas e muita, muita, mas muita sensibilidade.

Como uma brincadeira do destino, o disco não era para ter saído. Santana foi furioso ao estúdio apenas para cumprir contrato. A gravadora exigia que ele lançasse um álbum. A raiva dele transfomou-se, a meu ver, em um dos melhores trabalhos de sua carreira, e que garantiu ao músico, em 1988, o Grammy de melhor disco de rock instrumental.


Blues for Salvador, discão de 1987

A capa não fica atrás, uma foto tirada em P&B durante a gravação do disco. Mostra um Santana de óculos escuros e rodeado de fios e outros apetrechos no estúdio.

Voltando ao Santana de hoje, lembro de um pensamento que um passarinho certa vez me falou: a maior qualidade de um artista é ser auto-crítico o suficiente para saber a hora de parar.

Sem esse pensamento, Santana entra assim na lista de tantos outros artistas que apagam ou bombardeiam o seu passado e fazem qualquer trabalho em troca de mídia - que não mais virá- e de alguns trocados.

Penso nesta lista quando, num primeiro momento, lembro o pretensioso retorno do Queen, a volta dos Eagles acústico [argh!], e as peripécias tupiniquins do nosso jurado e rato de programa de auditório Cacá Rosset, que, para quem não sabe, já foi um diretor de teatro de sucesso.


Ramones: pararam na hora exata

Esse pessoal precisa aprender com os Ramones - que se aposentaram quando acharam necessário - ou ainda o ex-Beatle George Harrison, que, em abril de 1979, na revista Pop, disse:

"Hoje, prefiro ficar no meu jardim, não quero nunca mais ser famoso. Foi uma escolha, entende? (...) Com todo o respeito: aquilo [os Beatles] foi bom para aquele tempo

(...) É melhor fazer como Muhammad Ali, como Jackie Stewart fez na Fórmula 1, ganhar todos os campeonatos e depois se aposentar. Foi o que fizemos, antes que começássemos a cair."

Palavras sábias que valem para qualquer profissão.


"Prefiro ficar no meu jardim, não quero nunca mais ser famoso"

(Fotos: AP e Bob Gruen)